sexta-feira, 9 de novembro de 2007

004 - Um pequeno texto.



Caros leitores,
Este é um texto inacabado ou, talvez, não. Eu o encontrei quase perdido no meu computador reserva, que também estava meio abandonado. Foi escrito para apresentar o meu curso num caderno que eu pretendia imprimir. A data é de 26 de abril de 2006. O caderno nunca foi impresso e o texto ficou lá, quieto no seu canto. Eu mal me lembrava dele. Agóra resolvi publicá-lo. Aí vai :
¨Estratégias para o Desenho¨ é um curso de desenho de observação, ou de desenho realista, que venho lecionando desde 1983. Surgiu a pedido dos meus alunos dos cursos de perspectiva, croquis e representação gráfica, que ministrava no IAB / Instituto de Arquitetos do Brasil desde 1981. Foi para mim, no início, um grande desafio, ensinar o que nunca me ensinaram : desenho.
Desenhar o real, isto eu fazia muito bem desde os meus 17 anos, quando descobri maravilhado que eu já sabia desenhar ao fazer o meu primeiro auto-retrato. Este fato foi confirmado quando recebi a nota 10 na prova de Desenho Artístico em 2 exames vestibulares de arquitetura, no tempo em que a prova durava 4 horas, com natureza morta, modelo vivo, vários esbôços e um calor de 40 graus.
Confirmado, novamente, quando passei com média 10 na cadeira de Desenho Artístico na Faculdade Nacional de Arquitetura, fato raro que me valeu um prêmio e uma participação numa exposição com meus desenhos em destaque, entre os melhores de uma turma de mais de 100 alunos. Só tive aulas de desenho na faculdade de arquitetura mas, sinceramente, não consegui saber o que, e como, o meu professor ensinava. Ele apenas me dizia que não tinha mais nada a me ensinar, sempre me dava nota 10 e ainda me liberou da frequência obrigatória. Por essa razão, posso afirmar que nunca aprendi desenho, nem na faculdade.
Como fui meu próprio professor, sabia muito bem dos erros e acertos. Me ensinei que errar não era errado, errar era bom, porque só o fato de perceber que tinha errado me abria a possibilidade do acerto. Isso ninguém me ensinou. Eu aprendi e me ensinei sózinho. Eu me ensinava desenho e o desenho me ensinava que a vida era também um grande desenho. Eu tinha 17 anos e comecei a desenhar a minha vida.
Sabia muito bem, desde essa época, as estratégias mentais que eu usava para desenhar. Delas, a mais importante era a percepção do espaço entre as formas, que eu chamo de vazio. Muito cedo, descobri que a vida é também a arte de perceber os vazios...
Santa Teresa, Rio de Janeiro, 26 de abril de 2006.
O desenho acima foi feito por meu filho André em outubro de 83. Ele ainda não tinha 13 anos e me desenhou assim, depois que fez o meu curso. Hoje ele está chegando aos 37 anos e nunca mais desenhou. Em compensação, é um extraordinário fotógrafo, que me surpreende a cada foto que faz, de um mundo que só ele consegue ver.
Até a próxima,
Santa Teresa 8 de novembro de 2007.

003 - O Nascimento de um Curso - Parte 3.



Caros leitores,


Esta é a 3ª Parte do texto ¨O Nascimento de um Curso¨. Para que compreendam melhor este texto, peço-lhes que o leiam de baixo para cima, da Parte 1 para a Parte 3.
Críticas e ironias à parte, considerei o livro de Betty Edwards extraordinário. Quando vi pela primeira vez, os resultados dos seus alunos, ¨caí pra trás¨. Adultos que desenhavam como crianças e, em apenas dois meses, desenhavam como bons desenhistas, isso eu nunca tinha visto em lugar nenhum e jamais num livro de desenho. Neste ponto o seu livro foi para mim, altamente estimulante e decisivo para a continuação da pesquisa que eu iniciara antes. Se ela havia conseguido, não me custava nada tentar.
No início de 1983, uma vez digerido o livro de Betty Edwards, comecei a aplicar no meu grupo de alunos os dois exercícios que eu não conhecia, com algumas alterações que julguei necessárias. Foi uma fase extremamente rica, muitas idéias e intensa experimentação. Naquela época eu já havia criado mais de 30 exercícios baseados nas 9 estratégias perceptivas que eu utilizava para desenhar.
Entretanto, o exercício mais importante quem fazia era eu. Desenhava, por exemplo: O rosto de um aluno, objetos, qualquer coisa. Às vezes, copiava desenhos. Enquanto desenhava, tentava narrar tudo o que estava se passando na minha mente; as estratégias que estava usando, as várias opções, caminhos ou soluções que iam surgindo durante a resolução do desenho. Acredito ser esta, talvez a melhor forma de ensinar desenho. Falando e desenhando ao mesmo tempo explicava meus projetos de arquitetura. Ao desenhar falando, arquitetava meu projeto de ensino.
Em junho de 1983, dei por concluída a pesquisa com o grupo, e resolvi transformá-la num curso. Eu já tinha um número certo de aulas com uma duração estabelecida, os exercícios já estavam selecionados e cobrei o mesmo preço dos meus cursos do IAB. Formei uma turma de 8 alunos e meu curso então nasceu. Os resultados obtidos foram bem próximos daqueles apresentados por Betty Edwards e todos os alunos saíram desenhando muito bem. Fiz questão de incluir também do seu livro o auto-retrato e o desenho de perfil para poder ver se as minhas estratégias levariam meus alunos a resultados que se aproximassem dos dela.Terminado o curso, tive certeza que ensinar desenho era muito fácil.
Os desenhos acima são de minha aluna Regina, Arquiteta já formada naquela ocasião. Regina foi aluna desta minha primeira turma citada acima. O 1º desenho é de um rosto de imaginação. O 2º é do meu perfil.
Eu me pergunto, ensinavam desenho nas faculdades de arquitetura do Rio de Janeiro? A cadeira de Desenho Artístico sempre existiu. O que era ensinado? E hoje? Será que já ensinam?

Até a próxima, Santa Teresa, 7 de Novembro de 2007

002 - O Nascimento de um Curso - Parte 2.





Caros leitores,

No final de 1982, tive acesso ao livro da professora Betty Edwards, Drawing on the Right Side of the Brain, lançado em 1979. Este passou a ser, então, o objeto principal de minha pesquisa para o ensino do desenho, em função dos resultados apresentados que eram realmente inacreditáveis. Mergulhei fundo no livro.

Em princípio achei os fundamentos teóricos interessantes em função da declaração publicada na contracapa, feita pelo Dr. Roger Sperry (Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 1981), elogiando o trabalho. Mas, mesmo assim tinha minhas dúvidas. Apesar da declaração do Dr. Sperry, me parecia ser óbvia a impossibilidade de se ensinar apenas a um lado do cérebro, sem a participação do outro, como propunha a professora. Afinal ela estava aplicando seu método em pessoas cujos cérebros eram normais, o oposto dos pacientes da pesquisa do Dr. Roger Sperry, que tinham tido seus hemisférios cerebrais separados cirúrgicamente.
O que realmente me interessava, era saber como a professora Betty Edwards tinha obtido aqueles resultados. Não acreditava no que ela chamava de fazer a ¨passagem¨ do hemisfério esquerdo para o direito, pois desconfiava que não ¨era bem por aí ¨. Apesar do livro tocar em pontos importantes sobre o ensino do desenho, achei também que a linguagem por ela utilizada era otimista e ¨auto-ajudesca¨ demais, para o meu gosto. Minha experiência pessoal e a que tinha com meus alunos não indicavam tal facilidade.

Então só me restavam os exercícios propostos e neles me concentrei. Deles, eu só não conhecia dois: O do desenho de contorno de Kimon Nicolaides ( também conhecido como desenho cego) e o de copiar desenhos de cabeça para baixo, que ela dizia ser de sua autoria.
Dois anos mais tarde, em 1984, escrevi no prefácio da primeira edição do livro de Betty Edwards no Brasil, Desenhando com o Lado Direito do Cérebro : ¨A execução de croquis de cabeça para baixo, por exemplo, era recomendada pelo professor Jay Doblin em 1956¨. Jay Doblin, foi um excelente designer norte-americano, além de um brilhante professor. Foi Presidente da ASID ( The American Society of Industrial Designers ) e da IDEA ( Industial Design Educators Association ). No seu livro Perspective, a new system for designers, que eu tenho, encontra-se, acompanhada de um croquis, a recomendação que citei . O seu trabalho foi tão importante, que sua morte em 1989, foi notícia de primeira página de um jornal do Rio de Janeiro.
O desconhecimento por parte de Betty Edwards da obra de Doblin, é para mim, de certa forma, um pouco estranho. Sua formação foi em Arte e ela estudava na Califórnia. Informação não lhe faltava. Mas, se ela morasse no Rio de Janeiro, como eu, talvez ela tivesse a oportunidade única que tive de conhecer vários professores da ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial), onde em 1985 ministrei cursos para alguns deles e seus melhores alunos. Desde 83, na hora do almoço, saía do MAM ( Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro), onde eu lecionava, e às vêzes dava um pulo na ESDI para encontrar meus amigos Roberto Vershleisser e Léo Visconti, ambos professores de lá. Foram eles que me falaram de Jay Doblin e de sua obra, nos nossos papos eventuais, regados moderadamente a chopp-escuro, no Bar Luiz. Como hoje estou irônico, não vou deixar passar essa; na cidade em que ela nasceu, ou estudou, não tinha um jornal chamado JB, uma Faculdade chamada ESDI, nem muito menos um senhor bar chamado Bar Luiz.

A imagem acima é a da proposta do Professor Jay Doblin, estimulando a execução de croquis feitos de cabeça para baixo. Ela está na página 61 do seu livro Perspective a new system for designers , publicado pela WHITNEY LIBRARY OF DESIGN, edição de 1977. A primeira edição do livro é de 1956. Reproduzo aqui o texto que acompanha o desenho: An advanced exercise: As an execise to climax these skills, practice drawing complex figures upside down.This exercises puts an immense strain on the draftsmen's knowledge of freehand drawing. Tradução: Um exercício avançado: Como exercício para chegar ao limite de suas habilidades, pratique desenhar figuras complexas de cabeça para baixo. Este exercício gera um imenso desafio à habilidade do desenhista à mão livre.
Se vocês quiserem ver o texto ampliado, basta clicar na imagem.
Os desenhos lá de cima, antes do início do texto, foram feitos por duas pessoas extremamente importantes no desenvolvimento deste meu trabalho. O 1º é um desenho de Ana Teresa, Designer formada pela ESDI, que me emprestou o livro de Betty Edwards em 1982. Foi assim que ela me desenhou numa aula em 83. O 2º é do meu grande amigo, citado neste texto, o Mestre Roberto Vershleisser. Foi assim que ele desenhou o meu perfil, também em 83. Até a próxima,

Santa Teresa, Rio de Janeiro, Brasil, 7 de novembro de 2007

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

001 - O Nascimento de um Curso - Parte 1.


Caros Leitores,

Para quem não me conhece ou para quem me conhece pouco, gostaria que soubessem que eu, Maurício Porto, sou Professor de Desenho, Perspectiva e de Representação e Computação Gráfica de Arquitetura. Sou também Ilustrador, principalmente de Arquitetura. Em 2006, aos 62 anos de idade, recebi o Título de ¨Sócio Honorário do Instituto de Arquitetos do Brasil / IAB- RJ¨, sendo o terceiro auto-didata a ser homenageado por esta Instituição. Estou em ótima companhia, pois os outros dois são : Robeto Burle Marx e José Zanine Caldas. Burle Marx e Zanine ganharam o título de ¨Arquitetos Honorários¨ e eu o de ¨Sócio Honorário¨, porque segundo o presidente do IAB que me indicou, Jerônimo de Moraes, o IAB não poderia me dar o título de ¨Professor Honorário¨, por não ser uma Instituição de ensino. Mas, como ensinei para mais de 4500 arquitetos e dezenas de professores universitários, a homenagem, segundo ele, já estava vindo tarde.

Estudei um quase nada de arquitetura. Fiz o 1º ano no Fundão em 65. Anos mais tarde, cursei uma faculdade à noite, só para obter o diploma, mas, acabei desistindo. Comecei a trabalhar também em 65, sempre com bons arquitetos, o que muito ajudou. Mauro dos Guaranys, Marcos de Vasconcellos, Paquito ( Vicente Más), Walmir Amaral e Pedro Augusto de Vasques Franco ( os dois últimos de Henrique Mindlin Associados ), estes sim foram meus mestres.
Mas, com certeza, mesmo que indiretamente, aprendi muito com meu irmão Carlos Porto, ouvindo as suas opiniões e vendo seus projetos. Carlos é um craque, é o arquiteto do ¨Engenhão¨. Como diz Oscar Niemeyer: ¨O arquiteto nasce arquiteto¨. Carlos nasceu arquiteto.
Paralalemente aos meus empregos, fiz centenas de perspectivas para arquitetos e construtoras, durante anos. Em 1976 quando sai de ¨Henrique Mindlin Associados¨, montei um escritório em casa e comecei a fazer meus primeiros projetos de arquitetura. Assim fui fazendo projetos e perspectivas até que em 1981, decidi fechar o escritório. Desisti da Arquitetura e abondonei a faculdade. Resolvi viver novamente de desenhos, fazendo ilustrações, sonhando sempre em arranjar um tempo para voltar a estudar e tocar piano, a minha grande paixão, principalmente o jazz !!!

Eu não tinha a menor idéia que esta decisão tomaria outro rumo e no mesmo ano me levaria a me tornar Professor. Fechado o escritório, as quatro arquitetas que trabalhavam comigo me pediram para ensinar-lhes como eu fazia as minhas perspectivas, porque o que aprenderam na faculdade era insuficiente. Sinceramente, eu não sabia o que era ensinado nas faculdades. Não fiz essa cadeira no Fundão porque abandonei o curso no 1º ano e nem na faculdade que cursava à noite pois meu professor me liberou da presença.
Era eu mesmo quem fazia as perspectivas do escritório em que ele trabalhava..Ensinei então o que eu sabia e as aulas logo se transformaram num curso, porque as alunas aprenderam, gostaram e passaram a me indicar para seus colegas. A divulgação do curso foi espontânea, se espalhou e 3 meses depois eu não tinha mais tempo e espaço para atender todos os alunos que me procuravam. Percebi que havia descoberto um imenso vazio e que só me restava ocupá-lo.
Logo em seguida, ainda em 1981, iniciei oficialmente minha carreira de Professor de Perspectiva, quando uma amiga, a arquiteta Marcia Mello, então Diretora Cultural do SARJ / Sindicato dos Arquitetos do Rio de Janeiro, sabendo do meu curso me convidou para ministrá-lo no IAB / Instituto de Arquitetos do Brasil. Criei em seguida um curso de Croquis de Arquitetura e outro de Apresentação de Projetos. Aí começou uma nova história. Lecionei no IAB sem interrupções até o fim de 1985. Em 4 anos, foram mais de 50 cursos com 30 horas de duração com um total superior a 1250 alunos. Sou o professor que teve mais alunos na história desta instituição, onde até 2005 mantive cursos periódicos.

Em junho de 1982, comecei o meu curso de Desenho de Observação a pedido do meus alunos do IAB. Foi um trabalho de pesquisa com um pequeno grupo que reunia em minha casa e durou um ano. Tinha a forma de um curso, era quase gratuito e não tinha prazo para acabar. Os alunos podiam sair ou entrar quando quizessem, desde que a turma tivesse um mínimo de 3 alunos e o máximo de 8. Criei vários exercícios, de que me utilizo até hoje, baseado nas minhas estratégias para desenhar. Após três meses, os resultados começaram a aparecer. Senti então que um novo curso estava nascendo.

Os desenhos acima são de um aluno do meu curso de desenho do ano seguinte, 1983.
Marcos era estudante de arquitetura e já tinha feito a cadeira de Desenho Artístico na faculdade que cursava. Em menos de um mês o avanço foi notável.

Desenhar se ensina. Desenhar se aprende. Por isso mesmo, desenho e ensino!

Até a próxima,

Santa Teresa, 7 de novembro de 2007.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Apresentação.


Caros Leitores,


Há muitos anos, meus alunos, parentes e amigos me cobram que eu escreva um livro do meu curso de Desenho de Observação, que eu ainda chamo de ¨Estratégias para o Desenho ¨. Eu mesmo me cobro. Mas, o que fazer? Tenho preguiça de escrever um livro, mas gosto, e muito, de escrever pequenos textos e crônicas.
Com a experiência que tive com o meu outro blog, http://mauricioportodesenhos.blogspot.com/, pude perceber que escrever textos curtos, três ou quatro vêzes por semana , me dava um imenso prazer. Portanto, talvez aí esteja a solução para o meu livro: ¨ Caminante no hay camino, se hace el camino al andar...¨ ( Antonio Machado). É isso mesmo. Quem sabe se eu caminhar dois, três ou quatro textos em cada semana, dentro de um ano e meio já estarei com o livro práticamente pronto? Então, o objetivo principal deste meu novo blog é o de escrever o meu livro... em gotas.
Nele pretendo divulgar o que penso sobre o Ensino do Desenho,
baseado na minha experiência de vida e no meu trabalho como Ilustrador (42 anos de atividade profissional) e Professor de Desenho e Perspectiva (26 anos de ensino). Professor principalmente de arquitetos, artistas plásticos, designers, professores universitários e estudantes de arquitetura, desenho industrial e artes.
Serão textos sobre as conclusões que tirei das minhas vivências como aluno e professor, e não seguirão uma ordem linear pré-estabelecida. Escreverei o que ¨me der na telha¨. Depois, pretendo juntar tudo e dar uma arrumada, ou talvez não. Deixarei do jeito que ficar.
O desenho do tênis colocado acima, foi um dos melhores desenhos de observação que eu fiz. Foi feito em 1983, para a Revista Viva da Editôra JB, na era a.c. ( antes do computador) , com lápis de cor nacional, olhando para um tênis real, e não uma foto. Todos os meus textos virão acompanhados de desenhos de minha autoria e, principalmente, dos meus alunos.
O tênis está aí para mostrar que Professor de Desenho que se preze tem que saber desenhar de verdade, e também para me lembrar que, com cinco stents nas coronárias, eu deveria caminhar todos os dias, de preferência com tênis nos pés e Antonio Machado na cabeça.

Até a próxima, uma boa 2ª feira ( se é que isto é possível )
Santa Teresa 5 de novembro de 2007.