Nos dois exames havia a prova de desenho. A prova da Nacional de Arquitetura durava quatro horas, tinha Natureza Morta, Figura Humana e 6 Croquis de figura humana. A da Bennett durava duas horas e só tinha uma Natureza Morta. Na Nacional, apenas quatro candidatos tiraram nota 10 em aproximadamente 400, eu fui um dos quatro. Na Bennett, sómente um candidato tirou nota 10 em aproximadamente 100, fui eu.
Estou contando esta história porque aconteceu comigo um fato, em 1964, que iria se repetir exatamente igual 8 ou 9 anos depois, na Bennett, durante a prova de desenho.
A Figura 1 representa aproximadamente o que tínhamos que desenhar na prova da Nacional. A Natureza Morta da Bennett era quase a mesma coisa. Em vez de uma garrafa era uma moringa. Os sólidos eram outros. Não tinha uma jarra, no fundo era o sempre mesmo arcaico panejamento, e a dificuldade ou facilidade era a mesma.
Nas duas provas fiz como sempre faço. Fico às vezes uns 5 minutos observando o que tenho que desenhar. Desenho com a mente. Calculo as posições, distâncias e proporções sem jamais fazer um esboço. No máximo marco alguns pontos na folha em branco. Depois, escolho um elemento da composição e começo a desenhar. Na prova da Nacional escolhi a garrafa (ver Figura 3), na da Bennett, foi a moringa.
Estava eu tranquilamente desenhando a minha garrafa, apesar do calor de 40 graus na ilha do Fundão, verão de 1964, quando de repente fui interrompido com a seguinte frase: "Não é assim que se desenha! A composição não vai caber na folha!". Era um dos professores que estava observando as provas. Ele me aconselhou a começar tudo de novo. Disse que eu deveria fazer um esboço e que eu não sabia desenhar. Felizmente eu estava muito tranquilo e seguro da minha capacidade. Respondi-lhe calmamente : "Professor, é assim que eu desenho. Tenho certeza que a composição vai caber na folha. Se eu estiver errado, o senhor pode me dar Zero na prova, mas começar de novo eu não vou". Ele não se abalou, disse-me apenas: "Vamos ver!". Como já escrevi, tirei 10 na prova.
Oito ou nove anos depois, estava eu tranquilamente desenhando a minha moringa, numa tarde agradável na Escola Bennett, no inverno de 71 ou 72, quando de repente fui interrompido com a mesma frase: "Não é assim que se desenha! A composição não vai caber na folha!". Pensei imediatamente: "Já vi esse filme!". Realmente, o filme foi igual. O professor era outro, mas a fala era a mesma. Ele me aconselhou a começar tudo de novo e eu, educadamente, disse-lhe que não; com ironia propuz: "Se eu estiver errado, o senhor pode me dar Zero". Acabei tirando 10, mas desta vez o professor foi extremamente elegante e veio me comprimentar no final da prova. Destes dois episódios concluí que os dois professores, na verdade, não estavam acostumados a ver um jovem desenhar daquela maneira. Eu não fazia esboços e não usava o medíocre recurso do desenho medido a lápis. Fazia cálculos mentais de posicionamento e proporções com uma velocidade extraordinária. Além do mais, tinha a pureza, a segurança, a tranquilidade e a ousadia de uma criança desenhando. Portanto, como um jovem mágico, tirava garrafas e moringas da minha "cartola", que pareciam surgir do nada, e as localizava na posição exata.Tenho certeza que eles nada entenderam. Prisioneiros dos seus limitados e acadêmicos referenciais, me prejulgaram equivocadamente. Depois, dignamente, se retrataram.
Até a próxima,
Santa Teresa, Rio de Janeiro 23 de abril de 2008.
Dia de São Jorge.
Até a próxima,
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